Para que servem oficinas literárias?
 



Dicas

Para que servem oficinas literárias?

Marcelo Spalding




Volta e meia recebo pedidos de entrevistas sobre oficinas de escrita criativa e criação literária. Esta em particular me deixou muito feliz, pois é para um Trabalho de Conclusão de Curso de Renata Fabiane Costa Mello, da Universidade do Estado do Amazonas. Reproduzo abaixo as perguntas da Renata e minhas respostas, que servem como reflexão sobre o papel das oficinas de escrita criativa:

Renata Mello - De acordo com sua experiência, Cursos de Escrita Criativa podem realmente formar escritores?

Marcelo Spalding – Olha, acho que nada "forma" escritores. Cursos de Letras formam escritores? E cursos de jornalismo? Uma oficina, ou um curso, podem ajudar o escritor a estudar técnicas, reparar na construção, conhecer um pouco a teoria literária, receber críticas construtivas e profissionais do seu texto. Mas naturalmente que um curso não forma um escritor, é preciso mais, é preciso leitura, é preciso dedicação e, é claro, é preciso talento. Agora, só com talento ninguém vira escritor. Assim como só com técnica, também não.

Renata Mello - Qual a finalidade de formar um escritor?

Marcelo Spalding – Talvez eu perguntasse de forma diferente: para que ensinar alguém a escrever melhor? Para que ensinar alguém a escrever de forma criativa, quebrando aquela lógica cretina das redações para vestibular? Para que ensinar a alguém o prazer da literatura, não apenas como um leitor contemplativo, mas como um participante desse universo? Acredito que todos nós que gostamos de literatura, de livros, de escrita, sabemos por quê.

Renata Mello - Os Cursos de Escrita Criativa atentam para a distinção entre autor e escritor?

Marcelo Spalding – Não posso falar pelos cursos de escrita de todos, mas eu, particularmente, não faço distinção entre autor e escritor e acho essa distinção uma bobagem. Quem escreve literatura não é melhor do que quem escreve jornalismo, e há muitos maus escritores de literatura e bons escritores no jornalismo. Nesse sentido, acho que todos que escrevem, seja texto acadêmico, seja poesia, têm algo a aproveitar das técnicas de criação literária.

Renata Mello - Muitos autores foram consagrados sem comparecerem a Cursos de Escrita Criativa; assim, quais dados comprobatórios nos revelam que os Cursos de Escrita Criativa refletem na formação de novos escritores?

Marcelo Spalding – Acho a categoria "escritores consagrados" bem problemática. Estamos falando de Machado de Assis? De Paulo Coelho? Ou de Daniel Galera? Escritores clássicos naturalmente não passavam por cursos de escrita nem por faculdades, mas tinham uma formação escolar muito longe da que temos hoje, estavam inseridos em outro contexto. Se isso os fazia escrever melhor, não sei, mas não dá para comparar. Machado de Assis, hoje, provavelmente cursaria um Curso de Escrita Criativa, nem que seja para odiar e fazer tudo diferente do que aprendeu. Daniel Galeria, um premiado escritor contemporâneo, participou da famosa Oficina do Assis Brasil. Como Cíntia Moscovich e tantos outros autores premiados. Sem contar aqueles que cursaram Letras, como Milton Hatoum.
Agora note que estamos falando em consagrado pela "crítica", pela qualidade. Porque no mercado de livros de hoje consagrado é ser autor de best-sellers, ser lançado por uma editora comercial, ganhar página de jornal, entrevista na TV e vitrine na livraria. Isso não se ensina mesmo em curso de escrita criativa, talvez em algum curso de marketing.

Renata Mello - É possível que um escritor se torne consagrado por consequência de um Curso de Escrita Criativa?

Marcelo Spalding – Não. Ou não apenas por isso. Um curso pode acender uma chama, fazer um escritor olhar para sua própria produção de forma mais madura, técnica e profissional, mas desconfie de cursos que prometem tornar um escritor famoso ou consagrado.

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